quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

O espelho de três faces

Evidentemente, pensou, voltando-se de perfil, ele tinha de si mesmo uma ideia diferente, melhor, lisonjeira. Mas qual? Refletindo nisso, verificou que não tinha na realidade qualquer ideia de si próprio; simplesmente, não queria de nenhum modo reconhecer-se naquela cara antipática. Pouco a pouco, rodando lentamente, tornou a ver-se ao espelho, quase na esperança de encontrar, com um exame mais atento, algum motivo de simpatia; mas notou que, quanto mais olhava, mais crescia a sua aversão. A fronte era dura, compacta e assimétrica; o nariz tinha uma forma indecisa e pouco graciosa; aos olhos faltava inteligência; a expressão da boca inspirava enfado; a cor da pele tendia para o encarnado e o luzidio; até partes menos expressivas, como as orelhas e o queixo, despertavam nele uma sensação de repugnância. Atingido de repente por agudo sentimento de infelicidade, Giovanni olhou-se ainda três ou quatro vezes; depois deixou o espelho e foi para o terraço.

...

Giovanni refletiu intensamente por alguns instantes, procurando definir e reter em seguida o seu sentimento. Por fim, disse:

—É como se entre aquilo que sou e o que mostro ser houvesse uma fraude; ou seja, como se eu me tivesse enganado a mim próprio de uma maneira fraudulenta, continuamente, desde sempre. A antipatia que experimento por mim próprio é semelhante àquela que se experimenta por alguém que fingiu ser aquilo que não era, por motivos de interesse ou, de qualquer forma, pouco claros. Mas eu não sei que fraude é. Sinto-a, nada mais; está no ar, como um odor, mas não sei dizer mais nada.

In "O autómato" de Alberto Moravia

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